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sábado, 1 de novembro de 2003

Ode ao surrealismo por conta alheia

  Que levas ao colo,
  embrulhado em sarrafaçais transcritos mau olhado abomináveis trutas e outros preconceitos?
  Um sacerdote? Um gato? A timidez?

  Que transportas silencioso, imóvel, como dormindo, no chaile pespontado e verde com que limpas o suor,
    [o sémen, as fezes, tudo o que abandonas, ofereces, vendes, expulsas, injectas, convocas,
    [reprovas, descreves, etc.?

  Embalas e não respondes.

  Temes a polícia, o tapete, o capacho, o telefone, as campainhas de porta, as pessoas paradas
    [pelas esquinas reparando em por debaixo das roupas das outras que passam?
  Temes as palavras?
  Temes que saiam versos, lágrimas, casamentos, satisfações apressadas em campos de arrabalde?
  Temes os partidos, os artigos de fundo, os banqueiros, as capelistas, a inflação, as úlceras do estômago
    [ou sociais?

  Que transportas ao colo
  em silêncio e num chaile?

  É a vida? Anúncios luminosos? Casas económicas? O mar? Irmãos? Reivindicações? Um livro?
  Embalas e não respondes.

  É a vida? A noite que cai? As luzes distantes? Um gesto? Um olhar? Um quadro? Uma poesia lírica?

  (Oportunamente interrompida pela chegada de uma pessoa conhecida)

    Jorge de Sena

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