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segunda-feira, 20 de outubro de 2003

Utopia...

  Ouve-se muito, ultimamente, que temos de discutir a Justiça. Mas não os casos concretos, dizem eles. Não prometo fugir a esses casos, mas vou fazer uma série de posts sobre o tema, partindo do mais básico: o que é a Justiça?

  O que a seguir escrevo é a opinião que tenho há já há largos anos, vinda de longas e repetidas discussões com o meu pai, sobre a pena de morte. Trata-se de uma concepção teórica da Justiça, que admito ser difícil/impossível de implementar. Mas se não mantivermos sempre a fasquia ao nível do ideal, estamos condenados a começar a nivelar por baixo.

  Não sou apenas contra a pena de morte. Não aprovo a prisão perpétua, e até acho a pena máxima de 25 anos excessiva. E porquê?

  Para muitos, justiça é castigar quem não cumpre uma determinada regra. Mas quem somos nós para castigar? Quem somos nós para julgar? Quem somos nós para impor regras?
  Sozinhos não somos nada! A nossa moral, o nosso sistema de valores não é mais ou menos válido que o do próximo, e não temos legitimidade nenhuma para impor regras a quem quer que seja.

  Por isso juntamo-nos em sociedades, de forma a proteger os nossos interesses e a termos maior segurança. Essa sociedade estabelece um sistema de valores comum, que abrange todos os seus membros. Numa sociedade ideal, verdadeiramente democrática, esse sistema de valores corresponde à vontade da maioria, à moral vigente nessa sociedade (com o necessário lapso temporal, para evitar “modas” e outras alterações temporárias de valores).
  E quem se recusa a cumprir essas regras? Continuamos sem poder condená-lo por ser como é, e por ter uma moral diferente da nossa, mas temos agora uma legitimidade reforçada: a protecção da nossa sociedade.
  Temos agora o direito de isolar o indivíduo desrespeitador da sociedade, de forma a manter os seus elementos seguros.

  Como disse num post anterior, se alguém não se adapta à sociedade onde vive, ou sai dela ou se sujeita às medidas de reeducação estabelecidas pela sociedade.
  É evidente que há situações que são crime num local e não o são noutro. É natural, são sociedades diferentes, com pessoas diferentes, logo um sistema de valores diferente. Se alguém não se enquadra nas regras de um país, deve-lhe ser dada a possibilidade de se mudar para um local onde tal regra não exista. Mas, se optar por permanecer, tem de se sujeitar ao isolamento, até que possa ser reintegrado.
  Dificilmente se encontra uma sociedade que não condene o homicídio e outros crimes graves. E se se se encontrar, há uma supra-sociedade que envolve todas, a Humanidade, com os Direitos Humanos. Uma sociedade que não a respeite deve, ela própria, ser isolada.

  Esta é, então, a única legitimidade que temos: protegermo-nos. Isolamos o elemento perturbador, e temos o dever de o reeducar e integrar na sociedade. Não estamos a fazer um favor a ele, mas sim a nós.

  Por isso sou contra a pena de morte e a perpétua, por serem incompatíveis com este princípio. Na pena de morte a sociedade comete um crime igual ou maior que o criminoso, pondo fim à sua vida. Na prisão perpétua o indivíduo é dado como irrecuperável, e isolado da sociedade para o resto da sua vida.

  Custa-me ver pessoas que mataram outra, num acto consciente mas irreflectido, e que nitidamente não têm intenção de repetir o feito, serem condenadas a passar um quinto das suas vidas na prisão.
  Por isso não encaixo na cabeça o conceito de duração de pena. Se o objectivo do isolamento é reintegrar o condenado, este deve ser liberto quando estiver em condições de o ser. Quer seja passado um ano, quer seja nunca.   Há que, porém, existir um limite para cada tipo de crime, para evitar abusos do sistema. Vinte e cinco anos (um quarto de vida!) parece-me notoriamente excessivo.

  Como avaliar a aptidão para regressar à sociedade? Empregando as centenas de psicólogos que saem todos os anos das faculdades. O nível de desenvolvimento da psicologia ainda não está suficientemente desenvolvido? Problema nosso. Se não temos os meios, não podemos prejudicar o próximo. A sociedade terá de aceitar o risco, e libertar o detido. O condenado consegue enganar o sistema? Paciência. A reincidência será um factor a ter em conta.
  As instalações prisionais têm de ter condições, não as mínimas, mas as necessárias. Chega do argumento de que parece que pomos os presos num hotel! Estamos a priva-los de um direito deles, a liberdade, para assegurar um nosso, a segurança.

  Costumam me perguntar o que faria eu numa sala com um eventual assassino da minha família e amigos. Essa é uma pergunta que poderei fazer a mim mesmo, ao longo do meu caminho de Cristão, se saberia perdoar ou não. Mas é uma pergunta sem validade nesta discussão.
  É para evitar a vingança pessoal e falta de objectividade que entregamos a aplicação da justiça aos tribunais. Mal está o sistema se acabar por reflectir a mesma falta de objectividade, e agir de uma forma vingativa, neste caso a vingança de uma sociedade contra um indivíduo.
  Não estamos a castigar crianças, são pessoas. Andamos a dar tautau a quem não faz o que lhe mandam? A justiça não deve ser punitiva, mas sim preventiva. Previne-se que volte a fazer o mesmo outra vez. O que está feito, feito está.

  Falhas a apontar a este texto? Certamente muitas, como o facto de não ter em conta o efeito dissuasor da duração das penas, entre outros. Mas este é o ideal de justiça que sigo, e não me acho no direito de julgar para além dele.

  Comentários?

  PS: Note-se que falo de Justiça Criminal, não sobre o caso do salto alto defeituoso do processo Tia Ermelinda versus Sapateiro da Esquina.

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