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quarta-feira, 22 de outubro de 2003

Ónus da prova...

  Escrevo acabado de ver a repetição da «Causa Justa», na TVI, seguida da repetição de «O Espírito da Lei», na SIC. Penso se correrei o risco de me repetir também...

  Apesar de, na teoria, qualquer pessoa se presumir inocente até à data da condenação, cabendo ao acusador, na maioria dos casos o Ministério Público, procurar provas, na realidade esse é um papel que anda sempre de um lado para o outro, ao longo do processo. É o ónus da prova.
  Quando o MP tem provas fortes, passa para o arguido o fardo de provar a sua inocência. Na minha opinião, é este processo de pesos e contra-pesos que contribui para o apuramento da “verdadeira verdade”.

  Sendo o Ministério Público a entidade que representa o Estado, aquele mesmo Estado que legisla, há tendência para o idealizar como justo e imparcial. Nada mais errado! O MP é uma parte do processo, logo é parcial. E mal seria que não fosse, pois os processos ficaria com menos uma facção, e o sistema não funcionaria.

  E funciona? Afinal, quantas partes tem um processo?
  Ora, é natural que o Ministério Público queira proteger os seus trunfos, as suas provas, as suas testemunhas. O que já não é natural é o Juiz agir como parte do Ministério Público. Ficamos assim de novo com a balança desequilibrada.
  Penso que é o que acontece. Talvez movido pela tal ideia de Ministério Público imparcial, e com as melhores das intenções de justiça, o Juiz pende para o lado do MP. Apesar do honrado propósito, o Juiz deveria agir tal e qual como no referido litígio entre a Tia Ermelinda e o Sapateiro da Esquina.

  Não recorrendo às famigeradas fugas de informação, mas sim a documentos publicados oficialmente pelos tribunais, sabemos que na noite do primeiro interrogatório a Carlos Cruz «o arguido optou por negar os factos (tendo fornecido o seu número de te1emóve1) e face à negação, face ao simples facto que o arguido não poderia desconhecer as ocorrências (se as mesmas tivessem tido lugar, o que mantém não ter acontecido); não tinha o Tribunal de indagar mais pormenorizadamente nada pois que a resposta que se seguiria seria a mesma: nada aconteceu.
  Assim, e aqui chegados temos de considerar que o divu1gar de mais pormenores implicaria dar a conhecer os meios de prova, seja pela via directa, seja pela via da intuição, pois chegados a um ponto é impossível dissociar uns dos outros.
».
  O Juiz achou que «negando o arguido ter cometido actos de abuso sexual de menores e de alguma vez ter praticado actos de natureza homossexual, bem como manter contactos com alunos ou ex-alunos da Casa Pia ou frequentar a casa de Elvas cuja fotografia lhe foi mostrada, seria desnecessário passar desses factos gerais para qualquer concretização», explicando que «a falta de concretização é para que o arguido não saiba a que factos concretamente se reportam os autos “seja pela via directa, seja pela via da intuição” (sic)».

  A decisão do Juiz claramente protege os elementos de prova do Ministério Público. Dizer-se-á que para proteger a investigação. Provavelmente. Mas é aqui que tem de entrar a imparcialidade do Juiz. O objectivo não pode ser castigar culpados a todo o custo, mas sim proteger inocentes a todo o custo. Mesmo que esse custo desfavoreça a investigação em curso.

  Se por acaso se estão a interrogar qual a minha opinião neste processo, estou com inclinação para o lado do Ministério Público. Tal como me parece que esteja grande parte da população. Isto sem prejuízo de esperar que os arguidos, alguns figuras queridas dos portugueses, estejam inocentes.
  E também estou com essa maioria que acha que o Juiz Rui Teixeira é um bom homem. Mas não ando na rua a gritar o nome dele, e a eleva-lo a herói. Eu acho que também sou um bom homem, e não gritam por mim. Nem sou um herói.
  Acredito que o processo teria a ganhar com maior transparência e imparcialidade; que quantos mais elementos de prova tivermos, de um lado e de outro, melhor se chega à verdade.
  Passem a bola para o outro lado.

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